O Cursus Publicus e a Circulação na Geira

 O Cursus Publicus era a estrutura através da qual se administrava a rede viária do Império: consistia na instalação de equipamentos de apoio à circulação dos mensageiros e dos restantes agentes da rede administrativa e fiscal e dela faziam parte os miliários, as mansiones e as mutationes. 

A marcação das distâncias do itinerário era um aspeto essencial da rede viária, uma vez que o conhecimento dos tempos médios de viagem permitia um planeamento eficaz da jornada e do tempo necessário para o percurso. A medição da distância da viagem era dada pela disposição, a cerca de cada mil passos romanos (uma milha), de um cilindro de pedra (miliário), colocado na vertical, com um letreiro epigrafado ou pintado, onde era dada a informação da distância percorrida desde a cidade de partida, ou caput viarum. Os miliários eram igualmente importantes veículos de afirmação política nas várias escalas administrativas romanas, servindo não só para elevar o nome de imperadores, cônsules ou outros personagens importantes no quadro dos poderes locais e respetivos papéis na gestão viária, como também para declarar posições políticas a todos quantos circulavam na via: agentes do estado, corpos militares, e todos os outros viandantes que, a título profissional ou pessoal, circulavam pela via. Esta forma de afirmação, ou propaganda, estará, segundo vários autores, na origem da profusão de miliários por milha e é particularmente visível ao longo da Geira.

 

O Itinerário de Antonino, uma espécie de mapa geral do sistema viário do séc. III, contém a relação das mansiones existentes à época nas principais vias do Império Romano. A distância entre mansiones estabelecia-se tendo por princípio a distância de um dia de viagem, considerando as características do próprio terreno e o esforço de marcha: em média, as mansiones distribuir-se-iam entre distâncias de 10 a 20 milhas romanas (15 a 30 km). A distância entre mutationes era mais curta, não tendo um intervalo constante. Em pontos estratégicos, como pontes, existiam também as stationes, que funcionavam como portagens de controlo fiscal. 

No troço correspondente à Geira, o Itinerário de Antonino regista como primeira mansio da Via Nova, à milha XXI, a Mansio Salaniana, não assinalando qualquer outro equipamento até Aquis Originis, a mansio seguinte na milha XXXVIII. 

A localização precisa da mansio Salaniana permanece desconhecida, admitindo uns autores que se localizaria nas imediações da atual aldeia de Travaços, e outros nas proximidades da chamada Chã de Vilar ou Saim Velho, embora esta coincida com a milha XVIII. 

As investigações arqueológicas realizadas nas últimas décadas permitiram identificar diversos sítios com restos de edificações romanas, interpretando-se como podendo corresponder a mutationes os vestígios localizados próximo da capela de São Sebastião da Geira, na milha XVI e junto da casa florestal de Albergaria, à milha XXXII. 

Na milha XXX, em local atualmente submerso pelas águas da albufeira de Vilarinho das Furnas, trabalhos arqueológicos realizados em 1992 permitiram identificar um miliário e significativos vestígios de um edifício retangular, à face norte da via, com um compartimento aberto ao exterior, que se interpreta como sendo uma mutatio, sendo por isso referenciado agora como mutatio da Bouça da Mó. Junto foi identificado um outro miliário, fincado em posição vertical, o que poderá indiciar que se encontra em contexto original. Os materiais exumados datam este local da época da construção da via, fundado em finais do séc. I e ocupado até ao séc. II, sendo provavelmente substituído pelo complexo existente no Campo do Sagrado, no Campo do Gerês, coincidente com a milha XXVIII. 
A forma como se circulava teria como principio não só o objetivo da jornada, como a capacidade económica do viajante.

Assim, a pé, a forma mais simples de circular, poderiam percorrer-se cerca de 30 km por jornada diária. Considerando o funcionamento do Cursus Publicus, os mensageiros oficiais poderiam percorrer, em marcha a cavalo, cerca de 75 km diários, em média, podendo ser maior a distância em função da prioridade da informação a distribuir. A circulação militar padronizava espaços de marcha na ordem das 10 ou 20 milhas diárias. 

No caso da rede de circulação económica e pelo Código de Teodósio, sabemos que se circulava com recurso a vários tipos de veículos, adaptados à necessidade de carga, como por exemplo a birota, veículo de duas rodas aparelhado com dois cavalos, para transporte ligeiro ou o vehiculum, carro de quatro rodas, aparelhado com quatro cavalos para transporte de cargas maiores, entre outros.